Manifesto Antirracista

A Bike Anjo entende o diálogo como ferramenta essencial, pois não só permite o aprendizado, mas propicia a compreensão de cada vivência e experiência, tornando o processo muito mais rico como um todo, tanto da parte de quem aprende quanto da parte de quem ensina. Por isso também esse documento foi escrito pelo máximo possível de mãos, corações e mentes. Para que tal manifesto possa falar por todas, todes e todos nós.

 

O manifesto antirracista da Bike Anjo surge quando vemos ao redor do mundo, mas principalmente no Brasil, a disparidade existente entre brancos e não brancos, como pretos, e indígenas e diferentes etnias que possuem com desigualdades exorbitantes. 

Como traz Djamila Ribeiro em Pequeno Manual Antirracista: 

 

“Como diz Munanga, ‘ecoa, dentro de muitos brasileiros, uma voz muito forte que grita: Não somos racistas! Racistas são os outros!’. Eu considero essa voz uma inércia causada pelo mito da democracia racial. Um bom exemplo dessa atitude está numa pesquisa do Datafolha realizada em 1995, que mostrou que 89% dos brasileiros admitiam existir preconceito de cor no Brasil, mas 90% se identificavam como não racistas. Na época, a pesquisa foi considerada a maior sobre o tema, entrevistando 5081 pessoas maiores de dezesseis anos, em 121 cidades, de todas as unidades da federação.” (P.9)

 

Em nossa carta de valores, temos um capítulo sobre Diversidade e Respeito que destaca que atitudes racistas não serão toleradas em nenhum dos espaços que a organização atua, ainda assim, numa reunião realizada entre voluntários, percebemos a necessidade de tornar isso mais nítido, de assumir um posicionamento mais ativo. 

 

O MANIFESTO

“…alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho...”

 

Nós da rede Bike Anjo incentivamos o uso da bicicleta desde 2010, como voluntários que entre outras atividades atuam ensinando pessoas a andarem de bicicleta. Tanto os voluntários quanto os aprendizes da rede possuem diferentes origens, e todas as idades, gêneros, classes, renda, sexualidades, etnias e raças , construindo uma rede com mais de 8 mil voluntários cadastrados em 819 cidades e 38 países. Entendemos que a bicicleta contribui para a nossa saúde física, mental, social, financeira e ambiental, uma vez que seu uso se estende a diferentes regiões das cidades brasileiras, baixo custo para renda pessoal e grande ganhos para saúde e contribuições para o meio ambiente. 

 

Acreditamos que falar de bicicleta é também falar de mobilidade urbana, acessibilidade e direito à cidade, pois ela é um veículo capaz de integrar as pessoas aos equipamentos públicos como de saúde, educação, lazer, trabalho, entre outros.  Defender a pauta da bicicleta na mobilidade urbana é também enxergar a importância da nossa contribuição na construção de cidades sustentáveis e inclusivas, e portanto, vemos com grande importância, a necessidade desses benefícios serem acessíveis em sua totalidade a todas as pessoas.

 

É de comum acordo na rede Bike Anjo que, para alcançar a todos de maneira plena,  não admitamos quaisquer atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, gênero, religião ou procedência nacional (conforme previsto em lei federal LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989.) e conforme a nossa carta de valores, assim como também que nos esforcemos constantemente  para que esses atos não tenham espaço para acontecerem.

 

Por sermos originários de uma sociedade que há séculos estimula e exerce o racismo estrutural e estruturante, institucional e institucionalizado, nós, da Bike Anjo, independentemente das nossas autodeclarações raciais, nos vemos como racistas em desconstrução (ou anti-racistas em construção), cabendo também a nós, participar ativamente da necessária mudança na estrutura de poder que confere privilégio racial a determinado grupo.

Entendemos que devemos também nos manifestar quando presenciamos casos de racismo. Conforme explica Silvio Almeida em seu livro Racismo Estrutural: “por mais que calar-se diante do racismo não faça do indivíduo moral e/ou juridicamente culpado ou responsável, certamente o silêncio o torna ético e sócio-politicamente responsável pela manutenção do racismo.”

 

O manifesto antirracista da Bike Anjo é construído a partir do movimento #VidasNegrasImportam, que ganhou força após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, em maio de 2020. Este movimento reacendeu a pauta sobre o racismo no mundo, inclusive no Brasil, país no qual a disparidade de raça é um marcador estrutural e fundante da sociedade colonial e consequentemente das nossas cidades. As desigualdades existentes entre pessoas brancas, pretas e indígenas são brutais e exorbitantes, frutos desta colonização racista e machista. E não é de hoje que sabemos disso, infelizmente. Várias referências históricas, sobretudo pretas, têm nos falado sobre essa herança que edifica nossas relações sociais, econômicas, institucionais e afetivas.

 

Sendo assim, urge a necessidade de articulação da rede Bike Anjo em estudar, discutir e organizar um manifesto antirracista, pois sabemos que, na cidade que sonhamos e queremos, não há espaço algum para o racismo, para o machismo, o classismo e o especismo. Segundo o Retrato de Desigualdades de Gênero e Raça do IPEA, é possível comparar como as variáveis gênero e raça incidem sobre a população brasileira, definindo em dados um maior acesso a oportunidades de renda e emprego por homens em relação à mulheres, porém, quando introduzimos a variável raça, vemos uma disparidade maior no acesso a direitos e à própria cidade por mulheres negras. Esses dados trazem questões como acesso às dificuldades de educação e oportunidades de trabalho, que inclusive geograficamente são impeditivos para quem mora nas periferias e tem um maior impacto no custo do transporte pessoal. Nesse cruzamento de dados, certas oportunidades acabam alcançando mais mulheres brancas que homens pretos, o que demonstra que a questão racial possui um impacto grande no cotidiano urbano, e portanto, deve ser considerado não apenas em pesquisas, mas na construção de cidades que queremos. A inclusão deve afetar a todos que não estão naturalmente incluídos no planejamento urbano, pois a cidade não deve ser feita para carros ou para quem já possui oportunidades historicamente garantidas, e sim pessoas: mulheres, pessoas pretas, pessoas com mobilidade reduzida, crianças, idosos.

 

Em nossa carta de valores, no capítulo sobre Diversidade e Respeito, destacamos que atitudes racistas não são toleradas em nenhum espaço que a organização atua, principalmente porque racismo é crime no Brasil há pelo menos 30 anos. Ainda que tenhamos pontuado sobre isso neste documento, sentimos a necessidade de escurecer o debate e tornar público e oficial nosso posicionamento sociopolítico. Não compactuamos com nenhuma postura opressora que venha a ferir a dignidade e a existência de alguma pessoa, seja ela parte ou não da nossa rede. Além disso, é ainda mais inadiável o debate e a mudança, estrutural e institucional da rede Bike Anjo, em criar estratégias para promover as rupturas necessárias diante da atual conjuntura nacional e global.

 

   

O que você pode fazer para mudar essa estrutura? 

 

“PERCEBER-SE CRITICAMENTE implica uma série de desafios para quem passa a vida sem questionar o sistema de opressão racial. A capacidade desse sistema de passar despercebido, mesmo estando em todos os lugares, é intrínseca a ele. Acordar para os privilégios que certos grupos sociais têm e praticar pequenos exercícios de percepção pode transformar situações de violência que antes do processo de conscientização não seriam questionadas.” (Djamila Ribeiro – Mini Manual Antirracista. Pp. 43)

 

Contextualizando com o que acreditamos e como nos vemos enquanto rede faz-se necessário que entre nós exista um espaço de escuta constante que nos fortaleça e nos faça entender que não basta não ser racista, precismos nos colocar em nossos ciclos sociais com antirracista, iniciando pela nossa rede. 

 

O processo de transformação da sociedade pode acontecer quando existem debates sobre os temas de forma ampla e profunda. 

Ainda assim, o passo para real transformação acontece, quando de fato mudamos hábitos, posturas e percepções, especialmente em relação a nós mesmos. 

 

Existem diferentes meios para aprendermos a ser indivíduos antirracistas . Fizemos aqui um compilado de materiais que podem auxiliar nessa jornada. Vale lembrar que depende de você reavaliar seus comportamentos e ser um agente de transformação nos seus círculos sociais (família, amigos, colegas de trabalho).

 

Quando ouvir que uma determinada atitude foi racista, escute. Quem determina que uma atitude foi racista é a vítima, portanto, exercitar a escuta ativa, refletir e então mudar a determinada atitude é urgente para a construção de uma sociedade mais inclusiva e justa. 

Não é só porque você nunca sentiu o preconceito que ele não existe. O papel de pessoas brancas no processo é escutar e contribuir para essa mudança: Não se calando diante de situações/falas racistas; Não propagando piadas e termos ofensivos raciais; Divulgando vagas, oportunidades de emprego, estudos e para pessoas pretas; Dando voz em eventos, divulgações e entrevistas a pessoas pretas; Lendo autoras e autores pretos; Observando atividades que não tenham pessoas negras presentes e questionando suas ausências;

 

Seguindo o passo-a-passo da filósofa Djamila Ribeiro em seu livro “Pequeno Manual Antirracista”:

 

  1. Informe-se sobre o racismo
  2. Enxergue a negritude
  3. Reconheça os privilégios da branquitude
  4. Perceba o racismo internalizado em você
  5. Apoie políticas educacionais afirmativas
  6. Transforme seu ambiente de trabalho
  7. Leia autores negros

  8. Questione a cultura que você consome

  9. Conheça seus desejos e afetos

  10. Combata a violência racial

  11. Sejamos todos antirracistas

     

E aí, o que você faz para combater o racismo? 

 

Não basta não-ser racista, é preciso assumir um posicionamento antirracista.

Seja um agente nessa mudança.


Duvide do status quo. Estude. Escute. Apoie. Seja a mudança que você deseja ver no mundo. Afinal, o antirracismo é uma luta de todas e todos”.

REFERÊNCIAS

LEGISLAÇÃO

Racismo é crime – LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989. – Brasil (1989)

 

MANIFESTOS

 

LIVROS

  • Mini Manual Antirracista – Djamila Ribeiro (2019)
  • Quem tem medo do feminismo negro – Djamila Ribeiro (2018)
  • Lugar de fala – Djamila Ribeiro (2017)

  • Ensinando a transgredir – Bell Hooks (1994)

  • Becos da memória – Conceição Evaristo 92006)

  • Mulheres, Raça e Classe – Angela Davis (1981)

     

 

DADOS

 

MATÉRIAS


MÚSICAS

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